A internet deve provocar novos abalos no relacionamento entre a indústria e o varejo, que já não é dos melhores. Luiz Góes, diretor de inteligência de mercado da firma de consultoria Gouvêa de Souza & MD, especializada em varejo, prevê que as indústrias usarão cada vez mais os endereços na web para se aproximar do consumidor final, transformando os seus sites de relacionamento em lojas virtuais. A Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, já faz isso, lembra Góes. A fabricante americana de linha branca, a maior do mundo, opera desde 1988 no Brasil o Compra Certa, um canal que realiza tanto vendas porta-a-porta quanto pela internet. Para as indústrias, a internet elimina o maior empecilho para que elas cheguem até o consumidor final, que é a falta de vocação e expertise na operação de lojas físicas, diz o consultor. Uma pesquisa feita pela Gouvêa de Souza mostra que o varejo detesta as lojas próprias das indústrias— 90% das 100 redes entrevistadas responderam que vêem a iniciativa de forma negativa. As indústrias torcem igualmente o nariz às marcas próprias do varejo, mas estão mais resignadas. O levantamento mostrou que 43% das redes já possuem marcas próprias. “Se considerarmos as varejistas que ainda não têm marcas próprias mas afirmam ter condições de lançá-las, o potencial chega a 55% das redes”, diz Góes. A indústria, ao contrário, está muito atrás no desenvolvimento de seus próprios canais de venda. “O número de indústrias que faz isso ainda é muito baixo. Elas temem a retaliação das varejistas”, afirma o consultor. Em um seminário realizado em São Paulo, intitulado “Varejo e Indústria: Discutindo a Relação”, os consultores da Gouvêa de Souza propõem que os dois lados elevem o nível das negociações. Segundo Góes, as marcas próprias não são necessariamente ruins para as indústrias e os canais de venda dos fabricantes podem não ser prejudiciais ao varejo. “Ao ter a sua própria loja, as indústrias fortalecem suas marcas, o que pode ser benéfico para as demais redes que vendem seus produtos”, diz Góes. A Gouvêa de Souza foi contratada pelas fabricantes de calçados Dumond e Via Uno para auxiliá-las na formatação de suas próprias lojas, disse o consultor. Há vários exemplos em que as lojas próprias da indústria convivem em harmonia com os demais varejistas. Um deles é a Apple, que possui as suas próprias lojas, mas vende i-Pods e i-Phones por meio de vários outros canais. A rede de cafeterias Nespresso, da Nestlé, é um caso em que a empresa conseguiu não entrar em conflito com os varejistas. “A rede Nespresso comercializa um produto que não é vendido pelos varejistas”, afirma Góes, para quem esse é um modelo bem-sucedido. Algumas fabricantes, porém, preferiram abrir as suas próprias redes de loja, tornando-se independentes das demais varejistas. A indústria de móveis Todeschini, que possui uma rede de mais de 400 lojas, e a marca de calçados Arezzo são exemplos vencedores de verticalização no processo de comercialização. “O relacionamento entre a indústria e o varejo ainda está em estágio tático, em que predominam as questões do dia-a-dia, operacionais. Mas essa interação poderia evoluir para um estágio de discussões estratégicas, envolvendo projetos de mais longo prazo”, diz Góes.
Valor Econômico
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