
Nutrição, sabor, saúde e sustentabilidade. A função dos alimentos é tão antiga quanto a vida, mas o conceito e as formas de alimentação mudam no mesmo ritmo dos hábitos e comportamentos humanos. Sua loja precisa estar pronta para responder às novas demandas
Por Wagner Hilário
Bebidas à base de soja; iogurtes funcionais; água saborizada e vitaminada; refrigerante com zero por cento de açúcar; manteiga e margarinas livres de gordura trans; maionese light; cafés com selo de sustentabilidade em razão de uma cadeia produtiva justa sem que nenhum dos elos seja explorado; produtos orgânicos vindos da indústria – não apenas do campo; alimentos de qualidade para fazer em casa pratos dignos dos melhores restaurantes; e pratos prontos que chegam à mesa do consumidor com aroma de fresco. Sua loja tem isso? Se não tem, é melhor providenciar, pois a maior parte desses produtos será demandada em breve, se já não estiver sendo, pelo seu cliente.
O fato é que, se o milenar ditado chinês “somos o que comemos” realmente encontra eco na realidade, a tendência é nos tornarmos, dia após dia, pessoas melhores. Explicar essa afirmação não exige respaldo científico. Não é preciso ser gênio para saber que num primeiro estágio a Humanidade buscava matar a fome antes de morrer dela. Ou seja, a idéia era sobreviver. Não havia nenhuma preocupação com a quantidade de nutrientes ingerida, tampouco com o sabor. Ao longo do tempo, com os avanços na obtenção de alimentos, os homens passaram a buscar na comida também – e em grande importância – sabor. Num terceiro momento, percebeu-se que o deleite podia deixar um gosto amargo para o futuro, pois junto trazia colesterol, obesidade, hipertensão, úlceras e outros acompanhamentos indesejáveis à saúde.
É justamente a essa etapa em que se procura unir nutrição, sabor e saúde que o mercado de consumo brasileiro começa a chegar. “Os consumidores buscam algo a mais sem abrir mão do sabor. Buscam produtos com perfil nutricional diferenciado, em que há redução de ingredientes percebidos como ruins do ponto de vista da saúde pública. Além disso, também buscam a nutrição positiva, por meio de versões fortificadas e funcionais, ou seja, do tipo que traz não apenas benefício nutricional, mas também estético”, diz a nutricionista e chefe do departamento de comunicação de nutrição da Nestlé, Célia Suzuki.
É evidente que há diferenças de públicos consumidores. Diferenças que se baseiam em questões sócio-econômicas, faixa etária, hábitos e cultura. Por isso, quando se fala em tendência em alimentos, fala-se de uma porção de tendências e não de apenas uma; embora todas, de alguma maneira, estejam associadas ao tripé nutrição, sabor e saúde. Em um futuro bem próximo poderemos ainda agregar um quarto pé a essa estrutura, uma palavrinha que se menos dita e mais praticada soaria melhor aos ouvidos dos consumidores: sustentabilidade.
“Na Europa, a procedência do produto e seu caráter solidário são muito apreciados”, diz o coordenador do programa de mestrado em hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi, Raul Amaral Rego. “Caráter solidário”, no caso, é o nível de sustentabilidade da cadeia produtiva. Por exemplo, para serem bem sucedidos no mercado europeu os exportadores brasileiros de café manufaturado precisam provar, por meio de selos concedidos por auditorias internacionais, que aquele produto não é fruto da exploração de pequenos produtores e que pagam quantias justas a eles, permitindo-lhes uma vida digna, com acesso à educação para os filhos, alimentação e serviços de saúde de qualidade.
“Essa exigência ainda não é feita pelos consumidores brasileiros, mas assim que as empresas começarem a provar que trabalham norteadas por esse princípio solidário, assim que as pessoas entenderem o que é isso, teremos mais uma variável de grande relevância influindo sobre a decisão de compra do consumidor”, afirma Amaral, que é engenheiro de alimentos, economista e pesquisador das tendências e inovações no setor de alimentos. Para ele, o brasileiro é mais solidário do que o próprio europeu e essa variável terá ainda mais importância aqui do que tem no Velho Continente.
É importante dizer que se as práticas solidárias realmente norteassem as relações comerciais, se o princípio da sustentabilidade estivesse aliado ao interesse empresarial, os danos gerados pela atual crise internacional nos alimentos seriam menores. Entretanto, não apenas no Brasil, mas também na maior parte do mundo, a tendência dos produtos solidários é incipiente e outras se mostram mais vigorosas e com maior apelo entre os brasileiros.
Saudabilidade
Tendência é necessidade e não moda. A frase é de Amaral e não dá margens para acreditar que tudo o que trataremos aqui terá vida curta no mercado. Exemplo disso são as inúmeras tendências que podem ser colocadas sob o guarda-chuva exclusivo da saudabilidade – exclusivo porque todas as tendências que citaremos nessa reportagem de alguma maneira se relacionam com a questão da saúde –, entre os quais os orgânicos. No Brasil, esses alimentos têm forte penetração entre os públicos de alta renda e se espalham gradativa e lentamente. O fato de estarem livres de conservantes e aditivos torna os orgânicos mais confiáveis no aspecto da saúde. Contudo, seu custo é mais alto, diminuindo apenas com a massificação.
É fundamental salientar que não apenas os orgânicos in natura são tendência. As indústrias se esmeram para levar o conceito aos seus produtos. Primeiro, foi com o açúcar, mas logo outras categorias incorporaram o conceito, caso dos chás – em diversos formatos, de pó a sachê –, cafés, achocolatados e sucos, para citar alguns daqueles que normalmente o consumidor encontra nas lojas. Assim, esses produtos deixam de ser diferenciais e se tornam imprescindíveis, pois o consumidor demanda e se sua loja não os tiver o concorrente provavelmente os terá.
O pesquisador conta que sob o guarda-chuva da saudabilidade estão ainda os alimentos medicinais, aqueles que são bons para prevenir problemas cardíacos, como o azeite. Esse atributo é argumento de venda que os supermercados e as indústrias podem explorar melhor no ponto-de-venda (PDV), comercializando azeites de maior valor agregado, em que as propriedades nutritivas são mais latentes. Há ainda os alimentos voltados a públicos específicos, que padecem de algum problema de saúde. É o caso das bebidas à base de soja, que, embora tenham nascido com o propósito de substituir o leite para as pessoas alérgicas à lactose, popularizaram-se e hoje são consumidas indistintamente e, por isso, não podem faltar nos supermercados.
Os alimentos dietéticos e light são outro exemplo nessa linha, embora também estejam associados às questões estéticas. Os refrigerantes, que por muito tempo foram sinônimos de perdição, pois, apesar de gostosos, tinham muito açúcar, agora têm suas versões zero por cento de açúcar e menos gaseificada e conquistam até mesmo os assíduos freqüentadores de academia. É comum os consumidores irem aos supermercados e comprarem embalagens com quatro refrigerantes light para consumirem durante a semana. Não é por outra razão que, segundo dados da Nielsen publicados em SuperHiper na edição de março de 2008, as vendas de refrigerantes nos supermercados cresceu 12% em receita e 5% em volume.
Há ainda os alimentos denominados cosméticos e estéticos. Os mais famosos entre os estéticos, também porque se enquadram entre os medicinais, são os iogurtes funcionais. Além de contribuir para o bom funcionamento intestinal, o produto colabora para dietas de emagrecimento. Não por acaso, podemos encontrar em alguns hipermercados gôndolas de iogurtes em que os funcionais respondem por um quarto do total, embora tenham surgido há pouco mais de mais dois anos.
Mas a moda da funcionalidade não se dá apenas entre os iogurtes. Recentemente, foi lançada no Brasil uma linha de massas que traz na sua composição ferro, vitamina B9, soja e fibras. A idéia é que o macarrão seja capaz de suprir numa só refeição uma série de carências nutritivas diárias. Entre os sucos já ocorre fenômeno semelhante na Europa, com itens que trazem mistura de até cinco sabores de frutas. A idéia é oferecer uma solução alimentar ao consumidor, com base na teoria de que é fundamental para o ser humano comer cinco tipos de frutas diferentes por dia. Tudo indica que em breve esse tipo de produto chegará ao Brasil, onde já existem as misturas, embora ainda não cheguem a ser de cinco sabores.
No caso dos alimentos cosméticos, não é preciso ir longe. Em sua maioria, são itens tradicionais, que apenas precisam ser mais bem explorados no PDV, de modo a fazer com que o consumidor descubra que vale pagar um pouco mais por eles. Um exemplo de produto cosmético, pois faz bem à pele, é a gelatina, cujas versões light e diet – variáveis a mais para agregar valor ao produto – também já podem ser encontradas em abundância no mercado. Contudo, nem todos os consumidores sabem disso, o que torna a comunicação informativa e educativa sobre esses produtos no PDV de suma importância para aumentar seus desempenhos, especialmente por meio da venda dos itens com maior valor agregado.
Gourmet
A pronúncia da palavra francesa em si já é saborosa. Seu correspondente em português seria “gastronômico”, que vem de gastronomia e quer dizer “arte de cozinhar e preparar as iguarias de modo a tirar delas o máximo prazer; arte de escolher e saborear os melhores pratos”. “Essa é uma tendência que já faz parte do hábito de muitos brasileiros e acredito que em breve se massificará”, diz Raul. Mas não foi dito que há muito tempo o homem passou a se preocupar em tirar o máximo de sabor dos alimentos? Sim, mas, como acontece com a maior parte das artes, a gastronomia é infinita, há sempre um novo sabor a ser encontrado, por meio de uma combinação inédita, às vezes inusitada. Além disso, agora a gastronomia busca temperar o prazer que proporciona com condimentos de saúde, nutrição. Por isso, quando se fala em comida gourmet, fala-se em ingredientes de qualidade.
Com as pessoas cada vez mais comendo fora de casa, já que homens e mulheres, principalmente nos grandes centros, dividem o mercado de trabalho e passam a maior parte de seu tempo na “rua”, a alimentação adquire maior relevância como fator de confraternização e estreitamento de laços. E não é possível fazer isso de maneira que não seja saborosa. “Essa foi uma das razões para que os cursos de culinária se transformassem em uma febre no Brasil. As pessoas querem fazer refeições gostosas em casa nos fins de semana e curtir a companhia de familiares e amigos de forma agradável.” Para tanto, esses chefs caseiros precisam encontrar ingredientes de qualidade e saudáveis nos supermercados, os tais ingredientes gourmet. “Do contrário, ele irá com a família e os amigos a um restaurante”, diz Amaral. E é importante frisar que isso pode ocorrer em qualquer classe social.
Segundo Amaral, os restaurantes por quilo, que atendem aos mais diversos perfis sócioeconômicos de público, oferecem boa comida por preço bastante atrativo. Por isso, vale a pena criar um espaço gourmet na loja, uma espécie de store in store em que o cliente encontre tudo o que deseja para preparar um prato diferente em casa. Ou, então, fazer o que muitos têm feito: abrir um restaurante contíguo ao supermercado ou no andar superior a ele.
Para o engenheiro de alimentos, a tendência gourmet deve se massificar no Brasil, e logo. “Todo mundo gosta de comer bem, e não no sentido de comer muito, mas de comer com sabor e saúde. Essa tendência é forte nas grandes capitais do País e já começa a ir para o interior. Com a disseminação do hábito, os produtos gourmet tendem a se tornar mais baratos. Aliado a isso, vemos uma melhora na renda do brasileiro de um modo geral.”
Pesquisa recém-publicada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que a classe média passou de 42% da população em 2004 para 52%, em 2008. A parcela de pobres na população saiu de 35% em 2003 para 24% neste ano. Ou seja, a conjuntura corrobora para a massificação e barateamento desses produtos.
Em face disso, a indústria e os supermercados não podem perder o bonde. É necessário que se invista cada vez mais em qualidade e se promova, nos supermercados, comunicação visual e ações que também sirvam para educar os clientes sobre as peculiaridades deste e daquele alimento industrializado, que permitirá ao consumidor fazer uma refeição tão boa quanto a do chef do restaurante.
Amaral informa que, não por acaso, as indústrias já contratam chefs para desenvolver produtos, especialmente pratos prontos e semiprontos, que agradem ao paladar dos consumidores e ainda atendam suas demandas por praticidade e saúde. Se considerarmos, grosso modo, que há dois tipos básicos de consumidores, os que gostam de cozinhar e os que não gostam – e não são poucos os que se incluem no segundo grupo –, perceberemos que os alimentos prontos e semiprontos são fundamentais e precisam de tratamento ainda mais apurado para serem mais consumidos. “Os pratos práticos, como congelados, têm grande potencial de venda em razão do ritmo de vida que as pessoas levam, mas poderiam vender ainda mais. Se comparados aos congelados internacionais, os nossos têm muito que evoluir”, comenta.
Snacks
Ainda no esteio da praticidade, requisito indispensável na sociedade contemporânea, também no que se refere aos hábitos alimentares uma das tendências mais incontestes são os snacks, cuja tradução ao pé da letra seria “refeição ligeira”. Para ficar claro: frutas secas; barra de cereal; sanduíches naturais; sucos e afins. Em que consistem os tais snacks? São alimentos que permitem ao consumidor substituir as refeições tradicionais – café, almoço e jantar – não apenas no sentido de saciarem a fome, mas, sobretudo, de suprir as necessidades nutricionais. Em suma, são o que podemos chamar de “nutripetiscos”. “É o famoso comer picado, só que com critério, lembrando-se de beneficiar a saúde. É importante dizer isso, porque substituir as refeições não é uma prática tão nova assim. Há muito tempo se podem encontrar na gaveta dos escritórios salgadinhos e outros quitutes para matar a fome, mas não eram itens que levavam em conta questões nutricionais, como ocorre hoje”, diz Amaral.
Esses itens proporcionam grande oportunidade para os supermercados, mesmo os que não são de vizinhança. Durante as compras de abastecimento, o sujeito pode comprar, por exemplo, barras de cereal e sucos em caixinha para o mês. Assim, podem deixá-los na infalível gaveta do escritório para qualquer emergência. “Mas é fundamental que esses itens saudáveis sejam gostosos também. Nem todo mundo está disposto a trocar saúde por sabor. Geralmente, entre comer um alimento saudável, mas insosso, e um gostoso, mas cheio de gordura trans, as pessoas – até porque a idéia de saudabilidade ainda é bastante nova – optam pelo gostoso.” Pesquisa recém-realiza pelo grupo Ipsos, empresa de pesquisa de mercado, revela que 61% das compras são orientadas em primeiro lugar pelo sabor. Pela saudabilidade, apenas 35%, ainda menos do que pelo preço e pela marca, cada um com 54%.
Respeitando a harmonia entre os três fatores – nutrição, sabor e saúde –, podemos dizer que os snacks, em especial a barra de cereal e o suco pronto, são produtos altamente promissores. Afinal, como se vê, condensam uma porção dos atributos mais valorizados pelo consumidor contemporâneo. Entre eles, a capacidade de suprir falhas nutricionais de ordem pública. Por exemplo, segundo a nutricionista Célia Suzuki, as maiores carências nutricionais dos brasileiros são o ferro e a vitamina A. Nada impede que indústrias do setor desenvolvam snacks enriquecidos com esses nutrientes e que façam dentro e fora do PDV campanhas de divulgação dos benefícios que oferecem e das carências nutritivas que podem suprir, em parceria com supermercadistas.
SuperHiper agosto 2008
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